Mais de 70 projetos na Bahia foram contemplados através da rede de apoio de doadores alemães, de outros países da Europa, e também brasileiros. Em 13 anos de Human Network do Brasil, mais de 9 mil inscrições foram realizadas para cursos profissionalizantes, em Ilhéus. Aos 69, e aniversariante de hoje (26), Eckes, próprio de espírito cosmopolita, relata sobre o processo de consolidação da ONG, sua trajetória de vida e traz abordagens como ética, política e economia. “Sou um pouco camaleão. Tentei me ajustar nas viagens que fiz. Não sou nem tão conservador, nem tão liberal”, declara, e acrescenta, “o que me interessa é não ficar no clube de golfe”. Leia a reportagem completa e saiba mais.
Perfil - Nascido em 26 de setembro de 1944, na cidade de Singen, sul da Alemanha, Michael Eckes, é formado em Administração de Empresas e Economia pela Universidade de Munique. Apesar de possuir raízes germânicas, estabeleceu fortes laços com o Brasil, sobretudo no Sul da Bahia, onde conquistou amigos, doadores e esposa, a ilheense Maria Rosa Oliveira, presidente da ONG Human Network do Brasil, instituição por ele fundada. Michael Eckes, há 13 anos pode destinar um legado de desenvolvimento social em municípios baianos, sobretudo o de Ilhéus, onde está estabelecida a sede da ONG.
De doações avulsas ao surgimento da HNB - Com o lançamento e sucesso dos sucos de laranja exportados do Brasil para a Alemanha, a família Eckes, em 1972, pioneira no negócio, expandiu a variedade dos sabores através da produção de frutas na Bahia. Em Entre Rios, Alagoinhas e Salvador, Eckes continuou sua jornada profissional, gerenciando a fazenda e uma fábrica de sucos da família. “O primeiro projeto que apoiamos foi em 1972, com ajuda às comunidades carentes de Entre Rios e Alagoinhas, através de alimentação e construções”, explica Eckes, que lembra o apoio a outros lugares como Guarabira, Fortaleza, João Pessoa e regiões pobres de outros países, como a Bulgária.
Embora o negócio dos sucos não tenha dado certo no Brasil, as ajudas às comunidades carentes continuaram no norte da Bahia com apoio a projetos de nutrição, com doação de quatro refeições diárias por criança. Mas há aproximadamente 15 anos, Michael relata que, nesta época, Alagoinhas recebeu do Governo Federal uma verba de 300 mil reais, destinada para o Carnaval da cidade. Ele disse que, conversando com o prefeito, tentou mostrar as necessidades sociais, como alimentação, saúde, educação etc, mas outras demandas, como o Carnaval, tiveram prioridade. Michael Eckes não esconde sua decepção à pensamentos como “graças a Deus os alemães estão ajudando, e então nesse caso a prefeitura não precisa ajudar”.
Já de malas prontas, de volta para a Alemanha, Eckes recebeu a tarefa de levar dois sócios para visitar Morro de São Paulo. Lá, eles conheceram a ilheense Maria Rosa Oliveira, que foi convidada a visitar os projetos apoiados no norte da Bahia. “Ela me falou sobre as carências de Ilhéus e região, e foi com ela que a Human Network do Brasil começou. Ao mesmo tempo, muitos amigos da Alemanha quiseram ajudar os projetos na Bahia”, conta Eckes, que após ter decidido concentrar os recursos para a educação, criou a HNB e regularizou as questões fiscais, com a abertura do escritório no ano de 1999.
A HNB recebeu a doação do suíço Max Ruegger e sua esposa Dra. Ulla que ajudaram para a complementação da compra e reforma do prédio do Centro Profissionalizante, onde há 13 anos são realizados cursos através da parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). O projeto é próprio da HNB e já contemplou muitas pessoas de baixa renda, em diversas áreas como costura, culinária, estética, inglês, informática etc, realizados na sede da HNB e no Banco da Vitória, km 9, onde funciona a Escola Dom Bosco.
Também subsidiada integralmente pela ONG, a Escola Dom Bosco atende na Educação Infantil cerca de 130 crianças carentes. Além disso, a Escolinha de Futebol Os Meninos de Ilhéus, situada no Malhado, é apoiada pela rede, em que mais de 230 crianças e jovens são beneficiados, como em outros projetos, a creche Bom Pastor e a construção de salas para cursos, no bairro Princesa Isabel.
Segundo Eckes, o fator fundamental para o estabelecimento da HNB no sul da Bahia foi ter encontrado através de Maria Rosa pessoas de grande confiança. Graças às doações de amigos, a instituição pôde continuar suas atividades, em que a confiança e o compromisso são os valores fundamentais para a rede apoiar os projetos. “Recebemos doações diretamente de amigos e pessoas próximas a mim, que me conhecem. Os doadores gostam sempre de receber cartas para ter notícias sobre as ações sociais, e, sempre que podem, vêm ao Brasil visitar os projetos. Ficam felizes ao ver as realizações”, explica o fundador, que pretende ampliar o fomento às atividades do Centro Profissionalizante.
Michael Eckes e doadores da família Rechenberg, da Alemanha, lamentam a atual situação jurídica do Centro de Esportes, na Avenida Esperança, em que a compra do terreno foi doada para a construção do campo de futebol, edificado para lá treinarem os alunos da Escolinha de Futebol Os Meninos de Ilhéus, que após 4 anos de uso, e de intercâmbios culturais com a Alemanha, tiveram que interromper os treinos neste espaço. A Justiça de Ilhéus interviu equivocadamente no terreno da HNB no ato de cumprir um mandado de reintegração de posse para uma construtora. Desde 2009 os alunos estão impedidos de utilizar o Centro de Esportes. Uma queixa foi enviada em agosto ao Conselho Nacional de Justiça para a resolução deste caso de embargo de terceiro.
Um pouco sobre o fundador - Em entrevista, Michael Eckes demonstra ser uma pessoa de natural simplicidade, dotado de qualidades peculiares, como transparência e sinceridade. Ele diz não se identificar muito com o modo de ser dos alemães. “As pessoas lá são muito sérias, trabalhosas, mal humoradas. Eu gosto de conhecer gente, conversar, velejar, coisas simples, viajar. Viajar é caro, mas nada de luxo”, pontuou.
Entre vários lugares que já conheceu, como países da África, China, Indonésia, Brasil, e diversos países europeus, a viagem mais aventurosa aconteceu quando era ainda estudante. “Eu e um amigo fomos de carro da Alemanha para a Índia e voltamos. Coisa que hoje ninguém mais pode fazer. Vi uma realidade de muita pobreza, doenças, os templos... Quando voltei, fiquei hospitalizado por duas semanas, com infecção intestinal. Depois disso, eu não tive medo de mais nada”.
Formado por uma educação Cristã Católica, Michael gosta de interagir com pessoas de outras culturas e realidades. Já morou na Suíça, Estados Unidos e no Brasil - São Paulo, Salvador e no interior baiano. De fato, Eckes não esconde sua paixão por viagens, que passou a realizar mais depois dos 60. “Tenho uma lista de muitos lugares que ainda não conheço, como o Nilo, Jordânia, Bolívia, Colômbia. Próximo ano vou fazer isso, talvez com mochila ou carro alugado, mas eu vou”, garantiu, e disse, “o que me interessa é não ficar trancado no clube de golfe”.
Embora seja próprio de um espírito cosmopolita, ele planeja reestabelecer suas raízes novamente no país de origem. Perguntado sobre o que considera ser essencial ao ser humano, respondeu que “é a honestidade o bem maior. O mais horroroso é a corrupção. Se alguém é honesto, espalha a honestidade para a família, as crianças, os amigos...”, refletiu, e acrescentou que “durante meus primeiros 13 anos, eu passava as férias na Paróquia. Foram os tempos mais felizes que tive, mais que na família, meus pais trabalhavam muito. Eu gostava dessa realidade, do ambiente religioso e honesto. Hoje sou capaz de falar com todo mundo, brasileiro, rico, pobre, mendigo”, e continua, “o pior que existe, o mal do nosso planeta, é a falta de seriedade, de honestidade. A maioria dos ricos do mundo não pagam impostos, eles estão fora da lei”.
Para Michael, se existe mais honestidade na humanidade, você consegue mais recursos para ajudar os que vivem no pior da vida. “Meu pai foi um homem justo e meus filhos são felizes, porque foram educados com abertura e honestidade. Nenhum deles é alcóolico, criminoso, drogado, nada, porque sempre fomos muito abertos”, disse.
Indagado sobre uma atitude política própria, disse que “venho de uma família conservadora e tradicional. Sou um pouco camaleão, tentei me ajustar nas viagens que fiz. Não sou nem tão conservador e nem tão liberal, porque o liberalismo tem muitas facetas. Mas sem regras conservadoras também não dá”.
Diante do atual contexto do mundo moderno e tecnológico, revela não se enquadrar tanto nas atuais conjeturas. “Não gosto do Facebook, prefiro ler um livro. Gosto de trabalhar, participar, ter mais tempo para uma vida espiritual”, declara Eckes.
Ele opina sobre o atual momento político e econômico do mundo, dizendo que “aonde nós vamos e o que passaremos aqui, não é uma tendência saudável, porque você não vai ter mais privacidade no futuro. Penso que seja importante aos jovens aprenderem a ser realistas, se preparar para encontrar um trabalho e ganhar dinheiro, vida própria, procurar fazer o melhor, e não pensar em fazer parte da rede de apoio da Europa, ‘ah, eu vou receber isso e isso’. Porque a economia está destinada para muita inflação mundial. E um país que não tem recursos próprios, vai ter problemas. O Brasil, para mim, não vai melhorar, porque os gastos públicos estão explodindo”.